quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O MACHO CONQUISTADOR E A MULHER COMO INIMIGO

Nós, homens, somos tipicamente educados -- em casa e nas ruas -- para o exercício de um rígido controle sobre nossos próprios sentimentos e emoções. Parâmetros machistas determinam que a afetividade é propriedade das mulheres: se elas choram vendo algum filme, é comum rirmos de seu excesso sentimental e fazermos piadas entre nós, ostentando orgulhosamente nossa capacidade de resistir aos apelos emocionais; aprendemos que isso é um sinal de força e de masculinidade. Homens que se emocionam com facilidade são frágeis, dóceis, "afeminados", que falham na construção de sua própria virilidade; em outras palavras, não são "machos" o suficiente.
Alguns podem argumentar que isso vem mudando nos últimos tempos; de fato, alguns de nós podem tolerar as lágrimas masculinas em momentos específicos. Quando um time de futebol é derrotado numa final de campeonato, o choro de um jogador pode ser algo perdoável -- mas não para todos, nem de qualquer maneira. Torcedores do time vencedor, de modo geral, só serão capazes de enxergar o ridículo da situação; muitos adeptos do time perdedor verão naquilo um sinal de incompetência e de fraqueza, possivelmente um fator determinante para a derrota. 
Por outro lado, também pode-se aceitar que um homem chore quando perde um pai, um irmão, um amigo. Mas, em todos esses casos, o choro será avaliado conforme sua adequação aos modelos de masculinidade. O pranto viril deve ser silencioso, calado, contido. Mesmo num momento de desespero, é desejável que o homem saiba exercer o autodomínio.
A relação de tudo isso com a cultura machista é evidente. O controle sobre a emotividade é um dos principais elementos que nos diferenciam das mulheres, sobretudo no que tange às emoções e sentimentos socialmente vistos como indícios de fragilidade. Nas ocasiões particulares em que homens se expressam afetivamente, isso ocorre através de um rígido sistema de conduta que determina o modo, a ocasião e a intensidade daquela expressão. É assim que nos constituímos como homens fortes, viris e racionais, opondo-nos à intensidade e ao descontrole emocionais "típicos" das mulheres. E desse modo nos constituímos porque assim obtemos acesso àquelas posições que, na ordem sexista, facultam-nos o exercício da autoridade e do poder.
Por outro lado, a cultura masculina, no âmbito patriarcal, fundamenta-se no conflito. Somos preparados para demarcar e disputar domínios imaginários; o "macho" está sempre com a guarda levantada e com os punhos em riste. Esse é o protocolo que rege o comportamento em público do "macho" exemplar -- o protocolo da violência, física e simbólica. 
"Homem que é homem" não se deixa intimidar, não admite a derrota, jamais foge ao confronto. O que resulta dessa convergência de fatores? Homens que não conhecem a si mesmos -- que têm pouco ou nenhum contato com seus próprios sentimentos, e muitas vezes são incapazes de demonstrá-los; que sempre estão predispostos à defesa ou ao ataque. E há uma profunda relação entre tudo isso e a vida sentimental masculina.
Um dos verbos mais frequentemente utilizados no que tange às relações entre homens e mulheres na sociedade patriarcal é 'conquistar'. Trata-se de um vocábulo cujas acepções mais comuns estão associadas ao conflito, algo que se pode constatar checando qualquer dicionário: 'conquistar' é subjugar, dominar, obter à força. E tanto a observação empírica quanto qualquer manual com "dicas de conquista" demonstram como a atitude do "macho conquistador" está intrinsecamente relacionada à conduta do homem que se comporta segundo os parâmetros anteriormente citados.
O conquistador -- e aqui me refiro não a quem é bem-sucedido nas "artes da conquista", mas a todo aquele que orienta suas relações interpessoais por esses parâmetros -- é, essencialmente, um estrategista. O sucesso de suas táticas depende do autodomínio: é imprescindível que controle seus próprios sentimentos para agir da maneira mais eficaz a fim de conquistar a mulher que elege como alvo. A mulher é vista, portanto, como um adversário a ser vencido; superar sua resistência é alcançar a vitória, o que permitirá ao conquistador expandir seus domínios e adquirir mais status na sociedade sexista. Quanto mais mulheres for capaz de obter, mais admirado será pelos outros "machos" -- e é essa, precisamente, a sua meta.
O conquistador adota perante as mulheres um sistema de conduta que remete ao poder e à violência: cabe-lhe manter sempre elevada a guarda, a fim de não fraquejar diante daquelas que percebe como oponentes a serem sobrepujadas. Nessa permanente disputa a que se dedicam os "machos", as mulheres não passam de objetivos valiosos: subjugar uma delas é acrescentar mais um troféu à coleção. Por isso, a mulher que esperar do conquistador qualquer tipo de reciprocidade emocional certamente se decepcionará: para ele, tudo se reduz a um jogo em que os sentimentos e as expectativas femininas são peças a serem manipuladas a fim de que ele possa alcançar a vitória.
O que o conquistador busca não é a satisfação afetiva, mas o poder. Seu compromisso essencial é consigo mesmo -- e, para apresentar-se diante dos outros "machos" como o modelo de masculinidade que julga ser, será capaz de tudo. Que lhe importam os sentimentos alheios, quando ele não é capaz de conhecer nem mesmo os próprios sentimentos? Habituado a reprimi-los, ele estará apto a dissimular emoções, quando isso for necessário; por interessar-se apenas pela "vitória", dificilmente será capaz de lidar com as derrotas, convertendo-as num rancor vingativo -- o que alimentará sua disposição para tratar as mulheres como inimigos a serem subjugados. Quanto maior a frustração, maior será a disposição para humilhá-las e fazê-las provarem o gosto da "derrota".
Como qualquer outro macho, o conquistador será um eterno frustrado: porque sempre ocultou as próprias emoções de si e dos outros, sua imaturidade afetiva é visível; porque não concebe a sexualidade de modo saudável, mas como uma competição, jamais conseguirá encontrar nela o seu prazer. Contudo, o macho conquistador dificilmente será capaz de admitir o seu fracasso; o mais provável é que faça das frustrações a munição para novas batalhas contra suas eternas inimigas -- as mulheres --, submergindo cada vez mais no lodaçal da misoginia.


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