quarta-feira, 27 de julho de 2016

Rumo aos tempos de amor livre

A psicanalista carioca Regina Navarro Lins estreou recentemente seu canal no YouTube. A ideia é lançar vídeos curtos comentando dúvidas do público que a acompanha. Em um deles, discute os riscos da ausência do sexo. Noutro, responde se a “mulher deve dividir a conta do motel”. Até agora, 17 vídeos já foram publicados.
Entusiasta das redes sociais, também faz uso frequente de suas contas no Twitter (67 mil seguidores) e Facebook (76 mil). “Como tenho muita pesquisa, gosto de ir soltando aos pouquinhos e programo 15 postagens por dia, das 10 horas até a meia-noite”, conta. Também alimenta com notável frequência seu blog pessoal, com respostas para as dezenas de perguntas que recebe todos os dias.
Regina tem ainda um programa de rádio em Salvador, uma coluna em um jornal carioca e um quadro na grade da Globo News, o Sexo em Pauta. Também integra o elenco de convidados do TV Mulher, no Canal Viva, e faz parte da bancada fixa do popular Amor & Sexo, transmitido pela Rede Globo desde 2009.
Autora de onze livros, a psicanalista contou em primeira mão que trabalha em um projeto sobre as novas formas de amar, que deve ser publicado em 2017.
“Trabalho o dia inteiro, até nos finais de semana, e depois pego um cinema, que é sagrado”, defende. Ao que parece, sexo está na moda, vende bem e a mantém ocupada.
Em seu terceiro casamento e com uma neta de 20 anos, Regina esteve em Fortaleza para dar a palestra “Amor, o futuro que se anuncia”. Na manhã da última quinta, 21, conversou com O POVO sobre o assunto que mais domina.

O POVO - Estamos falando muito sobre sexo. O brasileiro está menos careta?
Regina Navarro Lins - Sexo sempre foi muito reprimido nos últimos dois mil anos. O cristianismo chegou e passou a ver o sexo como uma coisa suja, criminosa, abominável. Foram dois mil anos de muita repressão, mas estamos melhorando. Começou nos anos 1960, com a pílula. Foi um marco, houve uma ruptura. O sexo podia se aliar ao prazer. Começou um movimento de liberação.
De lá pra cá, a gente tá num processo de mudança das mentalidades sobre as formas de pensar e viver. Hoje as pessoas se casam sem ser virgens e a separação é uma coisa vista com tranquilidade - pelo menos nos centros urbanos. A gente tá mudando e tem uma coisa muito importante pra se entender: o amor é uma construção social e em cada período da história ele se apresentou de uma forma. 

OP: E agora vivemos a era do amor romântico?
Regina: O amor romântico, que todo mundo suspira por ele, passou a ser uma possibilidade no século XIX, mas só entrou pra valer no casamento a partir de 1940, inclusive incentivado por Hollywood. Sou muito crítica ao amor romântico porque ele é calcado na idealização do outro. Você passa o resto da vida infernizando a pessoa pra ela se enquadrar naquilo que você pensou. E tem expectativas mentirosas. Esse amor prega que os dois vão se completar, que vai haver uma fusão, que um vai ter as necessidades atendidas pelo outro, que quem ama não tem tesão por mais ninguém. Um monte de mentiras. 

OP: É uma forma arcaica de amar?
Regina: Hoje, os padrões de comportamento não estão dando respostas satisfatórias, então estão se abrindo espaços para cada um escolher uma forma de viver. Há uma busca pela individualidade que não tem nada a ver com egoísmo. A grande viagem do ser humano, hoje, é pra dentro de si mesmo, pra saber seus potenciais, crescer na vida. O amor romântico bate de frente com isso. E esse amor dá sinais de que está saindo de cena, o que pode ser comprovado com o aumento, por exemplo, do poliamor. 

OP: “Poliamar” está na moda.
Regina: Sim, você pode amar várias pessoas ao mesmo tempo. A gente nota mudanças nas mentalidades e eu acredito que daqui a um tempo, 20 ou 30 anos, menos pessoas vão querer se fechar em relações a dois e mais gente vai optar por relações abertas e mais livres.

OP: Mas ainda há muita força no modelo tradicional de união.
Regina: Eu acho que esse modelo tradicional é complicado, gera muito sofrimento. Em muitos casais você vê mágoa e ressentimento, porque estão submetidos ao mito do amor romântico. Você casa esperando aquela maravilha, aquela complementação, e na convivência é impossível manter a idealização, porque você é obrigado a enxergar no outro características das quais você não gosta. A idealização é como uma névoa que não permite que você perceba o outro como ele é. Não sou contra o casamento, sou contra esse modelo de casamento, onde as pessoas se controlam com um monte de regras e ficam entediadas. Esse modelo tem que ser reformulado.

OP: Você ainda acredita em casamento?
Regina: Acredito que um casamento pode ser ótimo desde que exista total respeito pelo outro, por suas ideias e seu jeito de ser. Desde que não haja controle da vida do outro, inclusive de sua vida sexual, porque é uma coisa que só diz respeito a cada um. Existe uma cultura que prega que quem ama não tem desejo por mais ninguém, e isso é amor romântico. Se você descobre que tua namorada transou com alguém, o sofrimento é intenso, você imagina que não é amado. As pessoas tem que questionar se fidelidade tem a ver com sexualidade. A imensa maioria das pessoas tem relações extraconjugais por um único motivo: variar é bom, e quero ver alguém dizer que não é. Olhe no meu olho e diga. 

OP: Mas há uma distância perigosa entre a teoria e a prática.
Regina: É fundamental que as pessoas reflitam sobre essas crenças aprendidas, pra se livrar dos moralismos e preconceitos. Tem muita gente insatisfeita que continua agarrada aos padrões por medo do novo. Tá com uma vidinha sem graça, mas tem medo das mudanças. Acho que ninguém tem que se preocupar se o outro transou ou não com alguém. Cada um só deveria responder a duas perguntas: Me sinto amado? Me sinto desejado? Se a resposta for sim pras duas, o que o outro faz quando não está comigo não me interessa, não é da minha conta. O que mais você precisa? A fantasia de que controla o outro? É uma ilusão alguém achar que controla alguém. 

OP: Você falou sobre a culpa católica e sobre como a Igreja demonizou o sexo. Como enxerga a pauta progressista do atual papa?
Regina: É menos dramático, mas olha, não é só dizer que o homossexual tem que ser aceito. Tem que pensar a homossexualidade de uma forma tão normal quanto a heterossexualidade, porque sempre que eu falo em “aceitar”, parece que é uma concessão. Não! Você tem que refletir e perceber que é tão natural quanto. Claro que é muito melhor ter um papa que pensa assim, menos rígido. Mas, de qualquer maneira, acho que é complicado, porque as religiões vivem com dogmas. É melhor, mas não resolve o problema. 

OP: Você segue alguma religião?
Regina: Não, nunca. Olha, vou te contar uma coisa. Quando eu tinha 8 anos e morava em Copacabana, tinha uma igreja perto. Minha mãe sempre foi conservadora, mas nunca falava em religião, coisa que agradeço até hoje. Mas minhas amiguinhas faziam primeira comunhão e eu quis fazer. Tive que entrar num catecismo. Na primeira aula, a instrutora botou um livrinho na minha frente e a primeira imagem era de uma menininha num banquinho tentando pegar um pote de melado no armário. E uma mensagem aterrorizante dizendo que Deus tudo sabe e tudo vê. Eu fechei o livro e fui embora, nunca mais voltei. Tive uma clareza de que aquilo era uma insanidade. 

OP: Nesse avanço em direção a uma sexualidade mais plena, homens e mulheres caminham com a mesma velocidade?
Regina: Cada vez essa fronteira tão marcada de masculino e feminino está se dissolvendo, felizmente. Acho que a gente tá partindo pra uma sociedade de parceria entre homens e mulheres. Estão caminhando. Os homens, em alguns aspectos, por conta da mentalidade patriarcal que sempre houve, foram cobrados pra ter força, sucesso, coragem, ousadia. Eles estão reformulando isso. Talvez seja um pouquinho mais lento que nós, mas eles estão conseguindo. Muitos já se libertaram do mito da masculinidade e já estão podendo se relacionar com a mulher num nível de igualdade.

OP: A Globo exibiu recentemente uma cena de sexo gay, na novela Liberdade, Liberdade. A reação do público me pareceu, pela primeira vez, mais positiva que negativa. É um bom sinal?
Regina: Acredito que a gente caminha pro fim do gênero, é uma tendência. Isso de masculino e feminino vai acabar. Na verdade, todos somos fortes e fracos, corajosos e medrosos, passivos e ativos. Esse caso é muito interessante porque mostra como as mentalidades estão mudando, e penso que as pessoas estão começando a perceber que têm que aceitar o diferente, que não têm que igualar todo mundo e que as pessoas tem suas singularidades. Que a homossexualidade é tão normal e saudável quanto a heterossexualidade. 

OP: Em 50 anos, como vamos estar?
Regina: Vai ser muito diferente. Acho que até em menos tempo, uns 20 anos. Não consigo imaginar uma criança nascendo hoje e vivendo o amor e sexo como a gente vive. Acho que casamento e as relações amorosas vão se transformar, e as relações múltiplas e mais livres vão ser bem comuns. Pode ser que as pessoas tenham um parceiro pra viajar, um parceiro pra programas culturais, outro pro sexo. Não vai ser como vivemos, com essas relações cheias de controles e regras. As pessoas vão ser mais livres e, portanto, vão viver mais satisfeitas.  
O POVO online
Veja video da entrevista em
www.opovo.com.br/videos 


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