segunda-feira, 1 de agosto de 2016

“ENTRE QUATRO PAREDES VALE TUDO” PRA QUEM?


“ENTRE QUATRO PAREDES VALE TUDO” PRA QUEM?

As nossas relações são sempre influenciadas por uma construção social que cria um padrão do que cada pessoa deve ser e fazer. Para relacionamentos heterossexuais, a mulher deve ser e agir de um jeito, o homem de outro. Em relacionamentos não heterossexuais, tentam nos encaixar nesses tais padrões homem-mulher. Não é raro ouvir a pergunta inconveniente: “
Mas quem é o homem/a mulher da relação?” Fato é que não dá pra criar padrões nas relações humanas. Somos únicos e vamos agir de forma única, sempre. Mas e na hora do sexo? “Entre quatro paredes vale tudo”, dizem por aí. Vale tudo pra quem? A forma como lidamos com o sexo também é construída pela nossa sociedade, uma sociedade baseada no sistema patriarcal, e é influenciada diretamente por aqueles papéis de gênero nas nossas relações. A mídia, os filmes pornô e o que nos ensinam desde a adolescência são elementos externos que constroem como vivemos a sexualidade.

Quando começamos a descobrir a sexualidade e o prazer, já se inicia a diferença entre os gêneros. Os meninos falam sobre sexo abertamente e são totalmente incentivados à masturbação. Por outro lado, saiam da sala as meninas que estiverem quando o assunto for sexo! Para elas, se tocar e sentir prazer é algo totalmente condenado. Mesmo com o tempo passando e tendo uma vida sexual ativa, a masturbação feminina continua sendo um tabu. Em vez de incentivar a mulher a conhecer o seu próprio corpo, a saber como sentir e como se dar prazer, a sociedade lhe diz que seu corpo é proibido para ela mesma. Pois eu diria: meninas, se toquem, se descubram, se conheçam e se deem prazer! Só assim as nossas relações com outras pessoas e com nós mesmas serão melhores, se nos conhecermos também.

Para escrever esta matéria, conversei com diversas amigas e focamos o assunto no sexo heterossexual e cisgênero, entendendo que é neste tipo de relação que aparece de forma mais forte e explícita a influência do machismo (e porque é o tipo de relação que tínhamos mais experiência). Vamos, então, às situações machistas relacionadas ao sexo mais citadas por nós nessa conversa:

SEXO NÃO É SÓ PENETRAÇÃO!

A gente pode até não perceber, mas o ato sexual é, sim, muito machista. Antes de tudo, o senso comum diz que esse momento deve ser focado no prazer do homem. Como a excitação e o ápice do prazer para eles são muito mais explícitos, são utilizados como parâmetro para o que deve rolar no sexo. A penetração acaba sendo o momento principal e só termina com o orgasmo masculino. O prazer da mulher se dá de forma diferente, não são tantas as mulheres que atingem o orgasmo com a penetração, sendo o estímulo no clitóris essencial, mas muitas vezes ignorado pelos parceiros. Além do foco na penetração, a posição também nem sempre é determinada e acordada pela mulher, o que não faz muito sentido, já que a posição do ato da penetração tem que dar prazer a ambos. Quando se fala de sexo oral, está quase sempre subentendido que a mulher precisa fazer sexo oral no homem, mas eles nem sempre se dedicam muito no contrário. E sobre sexo anal? A grande maioria dos homens pede ou tenta com a mulher, mas o estímulo ao ânus do homem quase nunca é bem-vindo. É claro que cada um(a) sente tesão de uma certa forma, mas é importante a gente pensar nos fatores que influenciam e/ou determinam esse tesão ou a falta dele, nas ideias criadas sobre como a gente deve sentir o sexo. E abrir os nossos olhos para as mil possibilidades que o sexo nos proporciona além da penetração.

MULHER NÃO É FETICHE!

Cria-se uma imagem de que a mulher — e, essencialmente, o seu corpo — estão sempre relacionados com o sexo. Isso se demonstra em várias escalas: mais intensamente na mídia e nos filmes pornô, produtores dos maiores fetiches com o corpo das mulheres e muito responsáveis por uma ideia de como deve ser o sexo, sempre centrado no homem e no seu prazer, fazendo com que os meninos vejam e achem que as relações devem ser assim. E se demonstra, também, nas pequenas coisas durante a relação. Se o cara está excitado e pressiona de alguma forma, mesmo que subjetivamente, a mulher a fazer sexo sem considerar a vontade dela, se aceita ou propõe um ménage (sexo a três) só se for com uma segunda mulher, nunca com um segundo homem, se diz que topa um relacionamento aberto mas limitando a namorada a relações exclusivamente com outras mulheres… Essas atitudes não respeitam a mulher enquanto ser com poder de decisão na hora do sexo, suas vontades e prazeres e a sua falta de vontade e de prazer também. O sexo tem que ser sempre algo consensual e consentido, assim como tudo na relação. Fazer sexo porque o cara está a fim mas você nem tanto não é legal e não é saudável. Quando não tiver com vontade, fale, e se ele te respeitar, vai respeitar também esse momento.

A RESPONSABILIDADE É NOSSA!

Pra fazer sexo tem que ter responsabilidade, e ela tem que ser mútua. A prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez precisa ser feita pelo casal. O que vemos é que muitas vezes a camisinha fica na responsabilidade dos homens e, para muitos deles, o sexo sem camisinha dá mais prazer. Isso deixa a mulher em uma situação totalmente vulnerável. Não preciso dizer que camisinha não é opção, camisinha tem de ser usada sempre, e passar pela situação de insistência do cara a não usar a camisinha porque ele ganha sensibilidade é um tanto quanto desgastante e constrangedor. Nessa insistência, muitas vezes, há a sugestão dele de a menina usar o anticoncepcional, o que é ruim duas vezes, visto que a pílula não previne qualquer tipo de doença e que a decisão de tomar esse tipo de hormônio precisa ser da mulher. Portanto, camisinha sempre e, na dúvida, leve uma com você também; precisamos nos prevenir e não depender deles pra isso. Se o cara continuar insistindo em não usar, só uma dica: cai fora!

O CORPO É MEU!
Mas o sexo não diz respeito só ao ato sexual, né? Muita coisa gira em torno deste momento e as pressões sociais colocadas na mente das mulheres também fazem parte de como encaramos o sexo nas nossas vidas. Como eu falei lá no início, somos inibidas a falar de sexo desde a infância. Não é à toa, portanto, que podemos ter dificuldades de falar abertamente com nossos parceiros sobre o que gostamos ou não gostamos, não é à toa também que, muitas vezes, sabemos pouco sobre o nosso corpo, não somos incentivadas a descobri-lo, muito pelo contrário. O julgamento das pessoas sobre a vida sexual alheia segue bem essa lógica. Se a mulher faz sexo casual e tem uma vida sexual ativa solteira, ela é julgada, mas para os homens, quanto mais sexo ele fizer, mais bem-visto. Ao marcar um encontro, espera-se que você siga o padrão de beleza: depilação, lingerie sensual, corpo magro e roupas impecáveis. Durante o sexo, pode rolar aquela preocupação: “Meu corpo está feio assim?” “Aquela gordurinha tá aparecendo?” “Me depilei?” Pois nosso corpo não deveria ser da forma como nos faz mais felizes?

Todas essas situações nos mostram o quanto o sexo e tudo o que se pensa, fala e faz sobre ele é ou dá poder ao homem a certo ponto. Muitas vezes, assim como em diversas outras situações nas nossas vidas, não percebemos a influência do machismo porque já está naturalizado assim, mas, ao parar pra pensar mais profundamente sobre elas, quase sempre a forma como aquilo acontece se inicia ou termina com algum privilégio masculino. Enxergar e falar sobre tudo isso é um passo pra que a gente consiga desconstruir e nos empoderar no momento do sexo. Não se sentir coagida a dizer sim, colocar as condições, abrir o jogo sobre o que se gosta ou não nem sempre é fácil pelo contexto em que vivemos. Esse texto é um alerta um incentivo e uma dose de força e coragem a você, mulher. Empodere-se do seu próprio corpo e dos seus próprios desejos! E viva cada um deles da forma que você se sentir melhor. Sexo é pra ser feito com prazer para todas as pessoas envolvidas!


- Isabela Peccini

(FONTE: http://www.revistacapitolina.com.br/entre-quatro-paredes-vale-tudo-pra-quem/)



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